TEXTO III – EMPRESÁRIO: DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE EMPRESÁRIO POR PESSOA NATURAL

Aluna elaboradora (1a. parte): Alessandra Pereira Dolabella

Aluna elaboradora (2a. parte): Marisa Goulart Matias dos Santos

Bibliografia geral: BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 3. ed. Rio de Janeiro, 1967; DUTRA, Ligia Xenes Gusmão (Coord). Simplificação e atualização do registro empresarial. Belo Horizonte: SEBRAE-MG/JUCEMG, 2011; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1, 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2005; SOUZA, Ruy de. O direito das empresas – atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959; TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011; VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial.  2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.

 1 Histórico

A conceituação legal de empresário no Direito brasileiro é recente. Os termos empregados pela legislação brasileira em vigor revelam que esse conceito procura ocupar, no Direito Empresarial, o mesmo papel central que a figura do comerciante desempenhou no Direito Comercial. Rememore-se que a concepção jurídica de comerciante foi objeto de alterações significativas ao longo da história ocidental. Na Idade Média, o comerciante poderia ser identificado por se matricular nas corporações de ofício. Diversas mudanças políticas, no entanto, ocasionaram a posterior ampliação desse critério subjetivo, ocasionando inclusive o emprego de elementos objetivos, tal como o exercício de atos de comércio, como diferente critério de identificação, a partir do qual seria considerado comerciante quem exercesse profissionalmente atividades enumeradas pela lei.

Com apoio nessa estrutura jurídica secular, o Direito italiano realizou, em 1942, a superação do conceito de comerciante pelo conceito de empresário, mudança que foi seguida pelo art. 966 do Código Civil brasileiro de 2002.

2 Conceito legal de empresário

É importante notar que o Código Civil brasileiro de 2002 afastou-se do conceito de comerciante. Este, pela legislação anterior, alcançava essa condição pela prática da mercancia, qual seja, a compra e revenda de mercadorias como profissão habitual, o que poderia ser presumido pelo seu registro na Junta Comercial. Entretanto, pela lei civil em vigor, tem-se que a atividade do empresário não se limita a promover a circulação comercial de bens, mas pode ocorrer também pela produção de mercadorias e o oferecimento de serviços.

A partir do art. 966 do referido Código, denota-se que o empresário é aquele que: (1) exerce em nome próprio; (2) atividade lícita; (3) efetuada mediante determinada escala de organização de capital e trabalho; (4) destinada primordialmente a realizar trocas econômicas onerosas; (5) direcionadas ao mercado.

2.1 Exceção à condição de empresário: exercício de profissão científica, literária ou artística por pessoa natural

Ao lado dessa conceituação ampla, a lei impõe a esse modo de identificar quem é empresário uma exceção de natureza geral, para aqueles que efetuarem pessoalmente atividades com caráter predominantemente intelectual, de cunho artístico, científico ou literário.

Assim, não receberá a qualificação de empresário aquele que exercer profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que o faça com o concurso de auxiliares ou colaboradores, assim organizando capital e trabalho.

Para se compreender essa exceção, mostra-se importante, inicialmente, guardar os termos do art. 966 do Código Civil. Este artigo pressupõe que as pessoas em geral podem oferecer bens ou serviços para realizar trocas econômicas.  Considere que a pessoa natural poderá oferecer sua força de trabalho em troca de dinheiro, ou vender bens de seu patrimônio. No entanto, a pessoa não será considerada empresário apenas por fazê-lo. Para ser empresário também será necessário que ela ofereça esses bens ou serviços a partir de certa escala de organização de patrimônio e de prestação de trabalho.  Essa distinção permite diferenciar, por exemplo, o empresário do prestador de serviços autônomo, ou daquele que ocasionalmente aliena parte de seu patrimônio, ainda que o faça por valor substancial.

Desse modo, o empresário coloca sob sua subordinação capital (bens e direitos) e trabalho (auxiliares e colaboradores), organiza os produtos ou os serviços resultantes dessa combinação e os oferece em trocas econômicas em seu nome, no intuito de se apropriar dos ganhos líquidos provenientes dessas operações.

No entanto, essa escala de organização dos fatores produtivos pode ocorrer para qualquer atividade econômica. Um médico, um desenhista ou um ator poderão, no lugar de trabalharem sozinhos, organizar capital e trabalho e oferecer os bens e serviços resultantes em nome próprio, por meio da operação de clínicas, escritórios ou oficinas. Nesse caso, pelo teor do art. 966, caput, do Código Civil, eles também seriam considerados empresários, não fosse a exceção legal presente no parágrafo único desse artigo.

Assim, por especial favor legal, profissionais que pessoalmente atuam em atividades científicas, literárias ou artísticas não serão considerados empresários mesmo que exerçam essa atividade em escala empresarial, desse modo atuando em nome próprio e sob sua responsabilidade patrimonial.

2.2 Prestação de trabalho intelectual como elemento de empresa

O favor legal posto em lei para excluir da qualificação de empresário aqueles que exercerem, ainda que em escala empresarial, atividade econômica intelectual, de natureza científica, artística ou literária, sofre, porém, uma importante limitação. A lei ressalva que esta exceção não se aplicará quando esse trabalho for prestado como elemento de empresa. Para se entender este limite, é útil se colocar diante de uma pergunta: como uma atividade intelectual pode ser oferecida no mercado tanto por empresário como por aquele que não o é? Por exemplo, como a medicina, a pintura, a música ou a dança podem ser oferecidas como produto ou serviço no mercado tanto pelos próprios profissionais como também por empresários?

Sobre essa pergunta, é importante perceber que atividades profissionais de natureza científica, literária ou artística poderão ser prestadas tanto em nome próprio como na condição de trabalho subordinado a empresário, na qual esses profissionais exercem tal atividade como trabalho prestado a outra pessoa, natural ou jurídica.

Observa-se que, quando tais atividades científicas, literárias ou artísticas forem prestadas como elemento de empresa, ou seja, exercidas de modo impessoal, em nome e por conta de outra pessoa, qual seja, o empresário, estaremos diante de situações nas quais a atividade será, com mais facilidade, considerada exercício de atividade empresarial.

Por exemplo, considere que num hospital organizado por pessoa jurídica há atividade de natureza científica exercida pelo trabalho dos profissionais de saúde ali envolvidos. Entretanto, a atividade exercida por essa organização ao ser oferecida onerosamente ao mercado permitirá qualificá-la como sociedade empresária se os profissionais forem contratados e organizados para atuarem de modo impessoal, em nome e sob a supervisão da pessoa que os contrata em relação de subordinação. Cabe registrar que se trata de situação na qual a prestação do serviço pelos profissionais de saúde a terceiros não está obrigatoriamente associada a suas qualidades personalíssimas. Desse modo, salvo na presença de reserva específica, os profissionais que oferecem seus serviços como elemento de empresa poderão ser substituídos a qualquer tempo no interesse do empresário, sem que o tomador dos serviços possa opor objeção.

Adicionalmente, perceba-se que esse tomador do serviço, que muitas vezes desempenha o papel de consumidor, contratará a prestação do serviço com o empresário, mas não diretamente com os médicos que trabalham no hospital. Correlatamente, será o empresário que receberá os pagamentos pelos serviços prestados, como também ele será o principal responsável patrimonial por danos indenizáveis advindos de eventual falha culposa na prestação desses serviços.

Assim sendo, é importante ressaltar que, em princípio, as classes de atividade econômica não são primordiais para se qualificar pessoa natural como empresário, mas sim, como antes abordado, o modo como essa atividade é exercida. Excepcionalmente, para o caso de se atuar em atividade intelectual de natureza científica, literária ou artística, é fundamental observar se ela é exercida pelo profissional em nome próprio, ainda que com ou auxílio de colaboradores, ou se é por este exercida como elemento (como participante) de empresa (de atividade empresarial) que está sendo conduzida por outra pessoa, natural ou jurídica.

Cumpre ainda ressaltar que essa condição, na qual a profissão intelectual se caracteriza como elemento de empresa, ocorre, para o próprio empresário, quando ela é exercida de modo meramente acessório e instrumental. Se este não se concentra nos atos reservados à prática de profissão intelectual, mas se dedica principalmente a realizar atos negociais e de gestão concernentes à atividade empresarial, sua atividade principal, ou seja, a profissão que realmente exerce de modo habitual, é a de empresário.  O exercício esporádico de atividade intelectual de natureza científica, literária ou artística para auxiliar suas ações empresariais não descaracteriza, portanto, essa atividade principal como empresária, uma vez que a referida atividade de natureza científica, literária ou artística é exercida como elemento acessório desta atividade principal, constituindo, portanto, elemento de empresa.

Revela-se essencial, então, entender que a atividade empresarial é conduzida em nome e por conta do empresário. Assim, capital (bens patrimoniais) e trabalho (auxiliares sob sua direção) estão sob sua orientação e deverão atender ao seu comando no exercício da atividade empresarial. O empresário organizará capital e trabalho para o exercício da empresa e contratará com terceiros, em seu nome e sob sua responsabilidade, trocas econômicas relativas aos bens e serviços que oferecer ao mercado. O poder de condução da empresa e a responsabilidade que decorre da titularidade e do exercício deste poder são inerentes à atividade do empresário.

Nesse contexto, empresário é aquele que exerce atividade econômica no modo previsto em lei, sem, contudo, incidir nas exceções postas pelo legislador. Observe-se que, para tanto, ele necessariamente exercerá a atividade em nome próprio, assumindo para si todos os riscos da atividade que conduz. Assim sendo, o empresário responde com seu patrimônio pessoal por todas as dívidas contraídas no exercício da atividade empresarial. Não há, desse modo, exclusão entre os conceitos jurídicos de pessoa natural e empresário, pois ser empresário é uma qualidade – uma profissão – da pessoa natural que exerce a empresa.

3 Empresário, capacidade jurídica e impedimentos

É importante ressaltar que, em princípio, exige-se ao empresário ser plenamente capaz, pois, para concretizar sua atividade, realizará reiteradamente negócios jurídicos patrimoniais, inclusive mediante colaboradores. Uma vez que ele terá poder negocial e, portanto, responderá pelas obrigações contraídas, ser-lhe-á necessário discernimento pleno para exercer tal atividade em nome próprio.

Por outro lado, é de se notar que o nosso sistema jurídico impede que determinadas pessoas naturais exerçam a profissão de empresário, seja em razão de adotarem outra profissão ou até mesmo como sanção por atos praticados. Esses impedimentos decorrem de várias leis, citando-se, aqui, o estabelecido para o membro da magistratura (Lei Complementar n. 35, de 14 de Março de 1979), do ministério público (Lei n. 8.625, de 12 de Fevereiro de 1993), o falido (Lei n. 11.101/05), o servidor público federal (Lei n° 8.112, de 11 de Dezembro de 1990), o médico – para o caso de exercer atividade empresarial de vendas de medicamentos (Resolução CFM nº 1.246, DOU 26.01.88), o militar na ativa (Decreto-lei n° 1.001, de 21 de Outubro de 1969), dentre as várias situações de impedimento fixadas por leis especiais.

Revela-se importante observar que, se a pessoa com impedimento insistir em exercer a atividade empresarial que lhes é vedada, terá que cumprir com as obrigações patrimoniais que contrair. Desse modo, os negócios jurídicos que realizarem serão, em princípio, exigíveis.

3.1 Empresário incapaz

Nosso ordenamento jurídico proíbe, por regra geral, que um incapaz exerça atividade empresarial, uma vez que, como acima referido, para o exercício de tal atividade é essencial que o mesmo tenha capacidade plena e atue com o discernimento necessário sobre seus atos, pois celebrará negócios jurídicos e responderá com o seu patrimônio pelas dívidas decorrentes da atividade empresária a que se lançar.

Entretanto, o art. 974 do Código Civil de 2002 excepciona situações de incapacidade por idade e de incapacidade superveniente, de modo a permitir que a atividade empresarial seja atribuída a incapaz. Como possibilidade dessa autorização, pode-se apontar situação hipotética em que o empresário individual plenamente capaz faleceu deixando apenas herdeiro incapaz. Ou, ainda, o empresário tornou-se incapaz de modo superveniente. Como solução a essas questões, a lei confere a possibilidade de continuação da empresa pelo herdeiro incapaz do empresário falecido, no primeiro caso, ou pelo próprio empresário supervenientemente incapaz, no segundo caso, desde que se consiga autorização judicial.

Para que se obtenha essa autorização, a lei determina que o juiz analisará tanto os riscos que o exercício da empresa poderá apresentar como os benefícios sociais e econômicos decorrentes da continuação do mesmo. Essa disposição legal pode ser apoiada no princípio da preservação da empresa, pois a continuação do exercício da atividade empresarial se justifica pela ocorrência de fatores que contribuem de forma positiva para o bem comum, tais como a oferta de empregos, a produção e a circulação de bens e serviços, e o pagamento de tributos.

Destaque-se que, em consonância com o regime civil que trata da incapacidade da pessoa natural, para se permitir que o incapaz seja responsável pelo exercício da empresa é imprescindível que ele seja assistido ou representado no exercício das funções de empresário.

Ademais, nosso diploma legal confere adicional proteção aos incapazes que se propõem a continuar atividade empresária, pois esta, por sujeitar em regra todo o patrimônio do empresário individual, implica significativo risco econômico pessoal. Desse modo, o legislador optou por permitir a formação de patrimônio especial, objetivando que o patrimônio pessoal do incapaz, ao tempo da interdição ou sucessão, não se confunda com aquele empregado na atividade empresarial. Sendo assim, o patrimônio que o incapaz já possuía e que não se relacionava com a atividade de empresário não responderá pelas dívidas da empresa, compondo monte especial destinado a resguardar economicamente o incapaz e diminuir os riscos proporcionados pelo exercício da atividade empresarial.

4. Cônjuge empresário

A lei qualifica como empresário a pessoa natural que exerce a empresa em seu próprio nome e sob sua responsabilidade. Nesse sentido, o Código Civil determina que o empresário individual deverá registrar na Junta Comercial não apenas os principais atos atinentes ao seu negócio, mas também os pactos e declarações antenupciais, os títulos de doação, herança, ou legado, de bens gravados por incomunicabilidade ou inalienabilidade, como determina o art. 979 do Código Civil. Um objetivo central a esta prescrição é o de conceder publicidade e auxiliar as considerações de terceiros acerca de atos negociais que possam afetar o patrimônio do empresário, influenciando a decisão de contratar com este.

Há, contudo, outra regra que diferencia pontualmente o regime do patrimônio do empresário daquele aplicável às pessoas em geral. O artigo 978 do Código Civil dispõe que o empresário casado pode alienar, ou gravar com ônus real, os imóveis que integrem o patrimônio destinado ao exercício da empresa, sem necessidade de conseguir autorização do cônjuge, independente do regime de bens do casamento. Nessa linha, o empresário não necessita de outorga conjugal para alienar ou gravar bem imóvel usado para o exercício da atividade empresarial.

5.  Deveres essenciais do empresário

5.1. Registro

O empresário é pessoa natural, plenamente capaz, que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção e circulação de bens e serviços, em seu nome e por conta própria. Para exercer a atividade empresarial de forma regular, ele precisa se inscrever no Registro do Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais. Cabe destacar que a obrigação de o empresário providenciar tal registro é facultada, no Código Civil, apenas aos empresários rurais.

Ao lado de exigir que o empresário dê publicidade ao exercício dessa profissão, outra importante função do registro é a de facilitar o controle e fiscalização do exercício da empresa pelo Estado. Desse modo, além desse registro central, também poderá ser necessária, em função da natureza das atividades a serem efetuadas, a inscrição em outros órgãos, como a Secretaria de Fazenda do Estado (inscrição estadual) e a Prefeitura Municipal (inscrição municipal), para assim se conseguir documentos tais como alvarás de funcionamento e autorização de órgãos responsáveis pela saúde, segurança pública, meio ambiente e outros.

5.2. Firma

Ao se registrar, o empresário se identificará por meio de uma firma específica, que é o nome empresarial selecionado pelo empresário para utilizá-lo em seus negócios. A firma deverá ser formada por seu nome civil, completo ou abreviado. Caso queira, o empresário poderá nele indicar, de forma mais precisa, seu nome ou ramo de atividade.

Como indica o Manual de Simplificação e Atualização do Registro Empresarial da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, uma pessoa cujo nome civil seja João Pedro Barbosa poderá adotar um dos seguintes nomes empresariais: “João Pedro Barbosa” ou “J. Pedro Barbosa” ou, utilizando alguma outra designação, por exemplo, “João Pedro Barbosa – Pedrinho”. Caso opte por incluir designação da atividade empresarial que exerce, a firma individual pode ser “João Pedro Barbosa – Bar”.

Para efetuar o registro, a referida Junta Comercial requer a apresentação dos seguintes documentos: (I) REMP – Requerimento de Empresário, conforme formulário disponível no site da Junta Comercial; (II) Consulta de Viabilidade realizada pela Junta Comercial para verificar, por exemplo, a duplicidade de firmas individuais; (III) DBE – Documento Básico de Entrada, emitido pela Receita Federal para inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ; e (IV) documento de identidade do empresário individual, além do comprovante de pagamento da taxa de inscrição.

5.3. Escrituração do empresário

Nos termos do artigo 1.179 do Código Civil de 2002, o empresário é obrigado a manter sistema de contabilidade, a ser feito com base na escrituração uniforme e regular de seus livros e acompanhado da respectiva documentação, bem como deverá realizar anualmente balanço patrimonial e o de resultado econômico.

A escrituração contábil consiste no registro escrito de toda a movimentação financeira conduzida pelo empresário, bem como o inventário de seu patrimônio, na medida em que se faz necessário o registro dos direitos e obrigações dos empresários. Por exemplo, a Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/68), em seu art. 19, impõe que esses títulos sejam registrados em livro próprio, de forma cronológica e apontando todos os dados relativos às duplicatas emitidas ao devedor.

Os livros contábeis atendem não apenas ao interesse do empresário, no sentido de organizar suas atividades, mas preservam também o interesse público, no sentido de melhor permitir o conhecimento e a fiscalização dessas atividades por terceiros.

Assim, ao lado de objetivar a proteção da confiança e da boa-fé nas relações entre particulares, também a fiscalização estatal se viabiliza pela obrigatoriedade de o empresário manter escrituração contábil regular, pois tal permite ao Estado e aos interessados em geral verificar os atos do empresário.

Por fim, é de se notar que o Código Civil de 2002 estabelece o livro Diário como documento de escrituração obrigatório. Contudo, outros livros como podem ser exigidos em legislações específicas, relativas aos setores tributário, trabalhista ou previdenciário.

5.4 Mitigação dos deveres do empresário em razão de ser qualificado como: microempreendedor; microempresa; empresa de pequeno porte

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 179, prevê o tratamento jurídico diferenciado àqueles inseridos nas categorias de microempresa e empresa de pequeno porte, conforme definidas em Lei, de modo a simplificar ou eliminar suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias.

Esse artigo da Constituição de 1988 é hoje regulamentado pela Lei Complementar nº 123/2006, que trata do regime jurídico das microempresas (ME), das empresas de pequeno porte (EPP) e do microempreendedor individual (MEI).

Atualmente, o enquadramento nessas categorias é definido pela receita bruta auferida pelo empresário, nos termos do art. 3º e do art. 18-A da Lei Complementar nº 123/2006 e será: até R$ 60.000,00, microempreendedor individual; até R$ 360.000,00, microempresa; de R$ 360.000,00 a R$ 3.600.000,00, empresa de pequeno porte.

A principal vantagem conferida aos sujeitos enquadrados no artigo 3º da Lei Complementar nº 123/2006 é a possibilidade de adesão a um sistema de alíquotas tributárias diferenciadas e unificação das obrigações fiscais cuja arrecadação será realizada através de uma única guia, conhecido como “Simples Nacional” ou “Supersimples”, que visa a conferir-lhes competitividade no mercado, através da redução de custos fiscais e administrativos (atinentes ao cálculo e recolhimento dos tributos).

Por essa razão, a legislação dispensa esses sujeitos de algumas obrigações contábeis, autorizando, por exemplo, que os respectivos documentos fiscais possam ser emitidos diretamente por sistema nacional informatizado e pela internet, sem custos para o empreendedor, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (art. 18-A, § 20 da Lei Complementar nº 123/2006).

Não se deve esquecer, contudo, que os sujeitos pertencentes às categorias de MEI, ME e EPP são obrigados a emitir documento fiscal de venda ou prestação de serviço e a manter em boa ordem e guarda os documentos que fundamentaram a apuração de seus impostos e contribuições, o que envolve, por exemplo, escriturar o livro-caixa, no qual deve discriminar sua movimentação financeira e bancária; e, caso seja optante pelo Simples Nacional, deve ainda apresentar, anualmente, junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, declaração única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais, como dispõem os arts. 25 e 26 da Lei Complementar nº 123/2006.

Além da possibilidade de adesão ao Simples Nacional e a dispensa de várias obrigações contábeis, dentre as prerrogativas conferidas àqueles inseridos nas categorias de MEI, ME e EPP podem ser citadas, nos termos dispostos pelos art.s 9o, §2o, 44 e 71 da Lei Complementar nº 123/06: (I) o empate ficto nas licitações, caso apresente preço até 10% superior ao de concorrentes estranhos a essas categorias; (II) a dispensa de publicação de atos societários em Diário Oficial e jornais de grande circulação; (III)  a desnecessidade de visto de advogado para registro nas Juntas Comerciais; ou, ainda, (IV) a possibilidade de homologação de Plano Especial de Recuperação Judicial, nos termos do art. 70, §1° da Lei 11.101/2005.

Sublinhe-se, contudo, que o registro contábil é indispensável ao exercício de atividades empresariais, mesmo para os sujeitos enquadrados nas categorias de MEI, ME e EPP.  Sem escrituração regular, o empresário não poderá, por exemplo, pleitear os benefícios advindos da Recuperação Judicial, como previstos na Lei n.11.101/2005, tampouco realizar tarefas cotidianas, tal como apurar formalmente o montante de lucro auferido em período determinado, além de se expor a ser punido por omissão de documentos contábeis obrigatórios, conduta tipificada como crime no art. 178, da Lei n. 11.101/05, em caso de decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano extrajudicial de recuperação de empresas.

Por fim, cumpre reiterar que o registro do empresário na Junta Comercial não cria pessoa jurídica, no entanto é fundamental para a proteção da firma individual e para o subsequente o processamento da sua inscrição no CNPJ, na receita estadual, municipal e em outros órgãos de controle do Estado. Note-se que o termo CNPJ revela-se impreciso, pois se refere a Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, mas pode também envolver, em alguns casos, pessoas naturais (empresários) e entes despersonificados (fundos de investimento, condomínios edilícios, massas falidas, dentre outros).