TEXTO II – A teoria da empresa na ordem constitucional atual
Aluna elaboradora: Alissa Cristina Campos
Bibliografia geral: AULETTA, Giuseppe. SALANITRO, Niccolo. Diritto commerciale. Milano A. Giuffre 1998. CHEVALIER, Jacques. Estado e ordem concorrencial. Revista de Direito Público da Economia, v. 5, n. 20, out./dez., p. 133-151 2007. GALGANO, Francisco et al. Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’economia. v. 2. Padova: Cedam, 1978.
1 Ordem constitucional e Direito de Empresa
A Constituição de 1988 estabelece os institutos jurídicos centrais para a atividade empresarial, entre os quais destacamos a liberdade de trabalho, a propriedade privada e a liberdade de iniciativa, assim permitindo que: a) qualquer pessoa, em principio, possa exercer a profissão de empresário (liberdade de trabalho e de atividade econômica – art. 5º, XIII e art. 170, parágrafo único da C.F.); b) aqueles que exerçam essa profissão o façam com autonomia para decidir a respeito do modo de organização, funcionamento e objetivos empresariais específicos (liberdade de iniciativa empresarial – art. 1º, IV e art. 170, caput da C.F.); c) o poder sobre o uso dos recursos materiais e humanos, bem como sua circulação mediante trocas econômicas seja exercido mediante a autonomia da vontade (autonomia negocial privada – art. 173, II da C.F.).
Com base nesses institutos, quem pretenda produzir bens ou serviços para realizar trocas econômicas em princípio terá autonomia privada para decidir: a) se irá fazê-lo ou não; b) como irá fazê-lo; c) sobre utilizar-se de auxiliares para organizar essa produção; e d) sobre as trocas econômicas a serem realizadas a respeito dos bens e serviços produzidos.
Considera-se, portanto, que a iniciativa privada de produção de bens e serviços – com o intuito de realizar trocas econômicas – constitui lícita atuação dos particulares. A Constituição de 1988 também estabelece que a profissão de empresário acarreta a responsabilidade pessoal daquele que a exerce, seja de modo individual (empresário individual, atuando na qualidade de pessoa natural ou jurídica), seja de modo coletivo (sociedades empresariais). Ademais, os empresários devem atuar em conformidade com a ordem jurídico-econômica constitucional, a qual, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput da C.F.). Veja os relevantes princípios constitucionais atinentes à ordem econômica estabelecidos pelo art. 170 da Constituição de 1988:
1) Soberania nacional;
2) Propriedade privada;
3) Função social da propriedade;
4) Livre concorrência;
5) Defesa do consumidor;
6) Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
7) Redução das desigualdades regionais e sociais;
8) Busca do pleno emprego; e
9) Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Uma vez conformadas às balizas jurídicas constitucionais, a produção e circulação de bens e serviços promovidas por empresários serão realizadas com o intuito principal de destiná-las a trocas econômicas, atividade privada na qual desponta o objetivo de se conseguir ganho superior ao dispêndio (alcançando lucro), bem como o risco de o empresário não realizar esse ganho, sofrendo prejuízo econômico. Esse binômio (possibilidade de lucro/risco de prejuízo econômico) fundamenta a autonomia de o empresário decidir quando e como realizará as trocas econômicas dos bens e serviços que estejam sob o seu poder privado.
A redução do poder de o Estado conceder monopólios aos empresários reflete a decisão política de que eles deverão atuar em um regime comum de concorrência, ou seja, eles deverão concorrer entre si pela oportunidade de realizar trocas econômicas. Em auxílio a esse objetivo político, proibir-se-á que o empresário entre em competição utilizando-se de meios ilícitos, bem como será reprimido o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência. Além disso, a posição privilegiada de um determinado empresário em relação ao mercado não poderá ser utilizada para se obter aumento arbitrário de lucros.
Esse regime jurídico de concorrência empresarial, porém, não se impõe de modo absoluto. Ele pode ser modulado de acordo com diferentes objetivos adotados pelo Estado. A concorrência, então, poderá ser estimulada por leis que vedam aos empresários concorrerem entre si adotando ações ilícitas, tais como o uso de práticas enganadoras para vender produtos ou serviços (vedação à concorrência desleal), ou por leis que impeçam a eliminação de concorrência, como aquelas ocasionadas por ações empresariais que em geral seriam consideradas lícitas, por exemplo, a fusão de sociedades empresariais, mas que poderiam causar, no caso concreto, a dominação de um mercado específico. Por outro lado, a concorrência pode ser afastada por leis que instituam monopólios lícitos, como patentes de invenção, ou que permitam, excepcionalmente, a eventual dominação empresarial de um mercado específico de bens ou serviços, como para os casos de jazidas de petróleo e gás.
2 Compreensão da expressão “Direito de Empresa”
O Direito transforma-se a partir das mudanças e necessidades sociais. Foi dessa forma que se deu o surgimento do Direito Comercial, a partir da necessidade da burguesia em ascensão, sendo modificado no decorrer da história, a partir das necessidades que surgem das relações sociais, ganhando novos contornos e perspectivas.
Cabe lembrar que o Direito Comercial surge como um direito de caráter subjetivo e classista, criado pela e para a classe dos mercadores, sendo, portanto, eminentemente calcado na figura do comerciante. Neste período, eram considerados comerciantes apenas aqueles matriculados nas corporações de ofício e que, dessa forma, estavam sob a jurisdição do Ius Mercatorum. Com o período de formação dos Estados Nacionais e a valorização da soberania estatal, foram editados diversos regramentos concernentes às relações comerciais, buscando-se uma sistematização dessas sobre a égide do Estado. Já no início do século XIX, o Código Napoleônico de 1807 foi um marco neste sentido. Este deu início a uma nova fase do Direito Comercial, que buscava conferir caráter objetivo ao regramento da matéria, enumerando quais eram os atos então considerados comerciais. Comerciante, portanto, passou a ser entendido como aquele que praticava habitualmente os chamados atos de comércio trazidos pela lei.
No entanto, essas balizas serão desafiadas no séc. XX. Na Itália, em um período histórico marcado pelo corporativismo e pelo fascismo, ganhou corpo a chamada Teoria da Empresa. Em 1942 foi editado o Codice Civile italiano, que introduziu duas mudanças fundamentais no âmbito do Direito Comercial daquele país: (a) deslocou o objeto do direito comercial dos chamados atos de comércio para a figura da empresa; e (b) buscou afastar a dicotomia Direito Civil/Direito Comercial, intentando unificar o Direito Privado. Dessa forma, o Código Civil italiano legislou no sentido de considerar, como figuras centrais do Direito Empresarial, o empresário e a empresa, esta entendida como a atividade organizada, exercida profissionalmente e voltada para a circulação de bens e serviços para o mercado.
3 Conceito jurídico de empresário
É nesse contexto jurídico-constitucional de liberdade de iniciativa, responsabilidade profissional e concorrência econômica juridicamente reguladas que se insere a figura do empresário como estabelecida no art. 966 do Código Civil:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
O conceito normativo infraconstitucional qualifica como empresário aquele que exerce:
(a) em nome próprio (atuação subjetiva); e
(b) por sua conta (buscando atender a seus interesses e sob sua responsabilidade patrimonial pessoal):
(c) atividade econômica: atividade voltada para realizar a produção ou circulação de bens ou prestações de serviços que possam ser objeto de troca econômica, na qual desponta o objetivo privado de se alcançar um ganho superior ao dispêndio (lucro).
(d) organizada: ao exercer a atividade econômica o empresário poderá valer-se de colaboradores que atuarão em seu nome (comissários, empregados, prepostos – auxiliares do comércio) bem como afetar ao exercício dessa atividade bens imóveis e móveis (prédios, terrenos, bens de capital e de consumo, direitos de propriedade intelectual – formando assim o estabelecimento empresarial) para, sob sua direção, viabilizar a produção e a circulação de bens e serviços. Observe-se que esse conjunto de situações jurídicas compartilha caráter patrimonial, assim permitindo que o empresário possa livremente negociar esses elementos, seja por cessão, seja por disponibilizá-los como coisas em comércio, de acordo com sua respectiva natureza jurídica.
(e) de modo profissional: a produção de bens e serviços para serem destinados ao mercado, ou sua circulação, formam o objetivo principal que move a realização da atividade econômica privada empresarial, o que pode ser feito pelo empresário, tanto de modo habitual, como para efetuar apenas um único evento empresarial de propósito específico.
A partir desses elementos gerais, a disciplina jurídica oferecida nos artigos 966 a 1.195 do Código Civil brasileiro guia-se pela proposta de uma teoria geral do Direito Empresarial, a propor conceitos gerais comuns a esse ramo do Direito, quais sejam:
(a) Empresário (sujeito de direito)
(b) Empresa (atividade profissional) e
(c) Estabelecimento Empresarial (universalidade de fato envolvendo bens e direitos utilizados pelo empresário no exercício de sua atividade profissional).
Desse modo, as disposições normativas do Livro II do Código Civil – Do Direito de Empresa – envolvem os seguintes temas:
1) Empresárioa) Pessoa Natural, Pessoa Jurídica e Sociedade Empresarialb) Capacidade do Empresárioc) Nome do Empresáriod) Obrigações comuns ao empresário (registro, representação e escrituração)
e) Preposição (Auxiliares do Empresário) 2) Empresa a) Atividade compreendida pela profissão de empresário 3) Estabelecimento Empresarial a) Universalidade de bens móveis e imóveis b) Efeitos obrigacionais ligados ao estabelecimento empresarial |